A diferença é que este Schwarzenegger não vem do futuro: nasceu em Mirandela e é o rapaz mais simples do mundo.
Quando Eduardo atendeu a chamada, na quarta-feira, percebeu-se logo que a agenda estava complicada. "Agora com estas coisas todas para ir embora... sábado vou para Génova". Perguntamos se a entrevista pode ser por telefone. "Ok, liga-me amanhã cedo, às 9h00, falamos quando for para Lisboa, vou passar o dia na SIC". Quinta-feira, 9 horas, Eduardo tem o telefone desligado, entretanto está em directo no "Companhia das Manhãs", a falar da selecção, da vida, de Mirandela, do pai que perdeu quando tinha 11 anos. Só ao final do dia nos atendeu. "Com isto tudo esqueci-me do telefone em casa." Está desculpado.
Do que se lembra de Mirandela?
Foi onde passei a minha infância, onde comecei a dar os primeiros toques nas ruas, depois nas camadas jovens do clube da terra. Foi uma infância bonita. Saí de lá com 13 anos, para ir jogar em Guimarães, mas ao fim de uma época fui dispensado e regressei. Sempre fui guarda-redes, não tive aquela história do miúdo que era ponta-de-lança e um dia foi experimentar a baliza, sempre tive queda para a baliza. Éramos três irmãos e eu era o que ia sempre à baliza! Depois voltei a ter a oportunidade de ir para um clube, o Sporting de Braga, e aí fiz a minha formação.
Perder o pai aos 11 anos marcou-o?
Ver o pai partir é difícil, ainda por cima naquela idade. Hoje, quando olho para tudo, gostava que ele tivesse acompanhado o meu trajecto, que estivesse aqui hoje. Ele era um apaixonado por futebol, a morte dele marcou a minha infância mas isso é o mais normal, afinal eu era uma criança.
No Mundial, depois do jogo com Espanha, a imagem que chegou a Portugal foi a do Eduardo em lágrimas, o jogador que mais sentiu a derrota. Tinha o seu pai na cabeça?
Ele está sempre presente. Sou muito ligado à família e cada um vive os sentimentos à sua maneira. Aquelas expressões são apenas os reflexos dos sentimentos.
Antes de ir para a África do Sul a Câmara de Mirandela ofereceu-lhe uma bandeira da cidade.
É verdade, levei-a na bagagem, deram- -ma com muito carinho. Tenho de voltar a Mirandela para agradecer.
Diziam que era para agarrá-la nos momentos de depressão. A bandeira chegou a fazer falta?
As pessoas de Mirandela gostam muito de mim, queriam ajudar-me... Mas durante o campeonato sempre me senti com força para os desafios, apenas queria desfrutar daqueles momentos.
Hoje ainda acorda a pensar no golo do Villa, naquele lance em que você defende e a bola só entra à segunda?
Ainda vem à cabeça, foi o lance que nos afastou do Mundial. Há tantas bolas que nos batem e ressaltam para tantos sítios, aquela tinha de ir para o pé do Villa... Mas não há volta a dar, o que está feito está feito.
O que lhe disse Casillas, no final, quando foi cumprimentá-lo?
Disse-me que eu tinha feito um excelente Mundial e para ter força. É um dos melhores guarda-redes do mundo.
Quem eram os guarda-redes que admirava?
Quando eu era miúdo olhava muito o [Michel] Preud'Homme, na altura em que ele veio para o Benfica, depois havia o Vítor Baía, entretanto lá fora apareceram o Buffon e o Casillas. Se me revejo? Eu não gosto de me comparar, cada um cria a sua imagem e desenvolve as suas qualidades. Gosto de ser eu próprio.
E o Quim? Conheceram-se no Sporting de Braga. Neste entra-e-sai na selecção, em que o Quim é afastado e o Eduardo se impõe, alguma vez falaram sobre isto?
Quando cheguei a Braga, muito novo, o Quim já era uma referência no clube. Eu era um jovem e ele um exemplo para mim, ainda por cima era uma excelente pessoa. Voltei a encontrá-lo depois na selecção, sempre teve uma palavra para comigo, ainda hoje. Mas o futebol é assim mesmo, todos nós temos o nosso trajecto e procuramos o nosso melhor. Eu procurei o meu caminho, ele seguiu o dele...
Falaram agora depois do Mundial e da lesão grave que ele teve?
Sim, trocámos mensagens, dei-lhe uma palavra e ele retribuiu.
Carlos Queiroz impôs uma mudança na baliza, impôs o final de Quim e o princípio de Eduardo. Em alguma altura se sentiu uma opção forçada do seleccionador?
Não, são opções. Joguei sempre e cumpri sempre, percebo que as pessoas possam discutir opções, têm esse direito, mas não foi pelas minhas exibições na selecção (e no clube) que se calhar disseram algumas coisas que foram ditas.
Quando chegou a Portugal, depois do Campeonato do Mundo, sentiu que as pessoas começaram a olhar para si de forma diferente?
Sim, algumas. Havia quem tivesse alguma desconfiança, mas eu sempre tive apoio dos colegas e da equipa técnica, além disso sempre acreditei no trabalho que tenho vindo a fazer. Depois do Mundial as pessoas ficaram com outra ideia de mim.
Acabou por ser um dos melhores jogadores da selecção no Mundial mas se calhar o mais desconhecido. Afinal quem é o Eduardo? É reservado?
Sim, se eu puder escolher não sou rapaz de câmaras, de entrevistas, gosto do meu sossego e do meu recanto. Percebo que as pessoas gostem de ler as nossas histórias, entendo isso, mas gosto muito da minha privacidade e de ter a minha vida pessoal. Hoje em dia isto está um pouco complicado [riso]. Mas no que toca à vida profissional não tenho problemas, com as conferências de imprensa e isso tudo...
Incomoda-o mais subir a um palco e cantar fado ao lado de Ana Moura?
[Gargalhada] Sem dúvida! Mas é que sem dúvida!
Que história foi essa?
Gosto muito de fado e da Ana Moura, fui ver um concerto em Braga e quando ela soube que eu lá estava chamou-me ao palco, a mim e a uma jovem. As pessoas fizeram força para eu lá ir, não imaginei que fosse para cantar, depois percebi que foi tramado [outra gargalhada].
Que música vai levar consigo para Génova?
Gosto de fado mas tanto aprecio música calma como outras coisas com mais barulho. Vou levar um pouco de tudo, oiço consoante o estado de espírito.
E qual é o estado de espírito sabendo que no instante se tornou o jogador mais caro da história do Braga [4,5 milhões de euros]?
Ao longo da minha carreira cumpri as etapas todas, subi degrau a degrau, sabia que agora estava num momento importante da minha vida e que o Mundial era mais uma oportunidade. Tentei preparar-me ao máximo e as coisas apareceram, aí está um novo desafio. Só isso. Agora é continuar, não basta chegar lá, porque o mais difícil é manter-me no topo e eu quero continuar lá e a crescer.
Quer crescer, tanto que abdicou dos seus 10 por cento do passe para concretizar a transferência?
Foi uma decisão que tive de tomar, havia uma grande vontade das pessoas para que eu fosse para lá, queriam-me muito. Ainda por cima era para um campeonato aliciante e para uma equipa com ambições altas.
E Jorge Jesus não o queria muito no Benfica?
Não faço ideia.
Ele é que disse que o queria contratar mas que o negócio estava "difícil".
A única proposta concreta que me apareceu foi do Genoa, o resto foram conversas.
Fica por cumprir o objectivo de jogar num grande em Portugal?
Não. Se calhar um dia pode ser uma hipótese, mas agora agarro-me ao meu trabalho e às oportunidades que aparecem.
Lá em casa fala-se mais de futebol ou de atletismo [a namorada é Jessica Augusto, atleta de meio-fundo]?
Não falamos muito sobre desporto. Levamos com isso todos os dias e em casa procuramos desfrutar de outros momentos e de outras coisas.
No frigorífico não deve haver um só alimento que possa fazer mal a um atleta!
Não, nada disso! Somos pessoas perfeitamente normais, às vezes também cometemos os nossos exageros. É claro que nos sacrificamos mas não temos assim uma vida tão rigorosa.
Os seus colegas no Braga chamavam- -lhe "animal", por causa do físico. Tem alguma fobia com a preparação física?
Isso é porque sou muito focado no trabalho e nos treinos, não gosto de perder, prefiro trabalhar sempre nos limites. A alcunha vem um pouco daí, se calhar porque sou obcecado pelo trabalho.
Já lhe chamam animal na selecção?
[Gargalhada]Não, o animal ficou só por Braga. Quer dizer, há quem me chame outra alcunha na selecção, era só entre os guarda-redes, na nossa área de trabalho. Foram o Daniel Fernandes e o treinador de guarda-redes que me puseram: "Terminator".
No final do Mundial, depois do que disseram Ronaldo e Deco, entre outros, como é que ficou o ambiente na selecção?
O grupo esteve sempre unido. Às vezes temos direito a uns desabafos que, depois, nos arrependemos de ter feito, mas todos se esforçaram ao máximo para que as coisas corressem bem, o ambiente sempre foi saudável.
Ronaldo foi um bom capitão no Mundial e deve continuar a ter a braçadeira da selecção?
É uma excelente pessoa, sempre foi um bom capitão. Às vezes as pessoas criam atmosferas que não existem. Por mim não vejo qualquer tipo de problema nisso, sempre contámos com ele e ele sempre nos apoiou.
A outra ideia que se criou foi a de que a selecção podia ser bem mais ofensiva do que foi, por exemplo no jogo contra Espanha.
Às vezes num jogo as coisas não correm como queremos, contra a Espanha eles tinham uma grande qualidade de posse de bola, não conseguimos atacar como queríamos, sabíamos o que era preciso fazer mas as coisas não saíram como previsto.
Imagino que Carlos Queiroz o preparou para os penáltis, nos oitavos-de- -final.
Sim, estava preparado, foi algo que pensámos que poderia acontecer, fazia parte do trabalho de casa e tínhamos todas as informações. Sabíamos quem eram os principais marcadores e vimos os penáltis que bateram nos últimos tempos. Fizemos o nosso estudo.
O outro Mundial onde tinha estado foi o de 2006. Mas aí foi de carro...
Fui ver dois jogos à Alemanha, Portugal-México e Portugal-Inglaterra. Foi uma coisa programada na altura com o Paulo Santos, o guarda-redes do Braga que estava na selecção e nos arranjou bilhetes. Nós éramos um grupo aqui de Braga, muito unido, e lá fomos nós.
Na altura tinha como possível jogar um Mundial quatro anos mais tarde?
Sim, sonhava que um dia podia lá estar. Até as coisas aparecerem nunca temos a certeza de nada, o que podemos fazer é continuar a procurar. Foi isso que fiz, é isso que faço: procurar os meus sonhos e os meus objectivos.
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